Poema

           
A Armadura
Desenganos, traições, combates, sofrimentos, 
Numa vida já longa acumulados, vão 
— Como sobre um paul contínuos sedimentos, 
Pouco a pouco envolvendo em cinza o coração. 

E a cinza com o tempo atinge uma espessura 
Que nem os mais cruéis desesperos abalam; 
É como tenebrosa, impávida armadura 
Ou couraça de bronze em que os golpes resvalam. 

Impermeável da Inveja à peçonhenta bava, 
Nela a Calúnia embota os seus dentes ervados; 
Não há braço que possa amolgá-la, nem clava 
Que nesse duro arnês se não faça em bocados. 

E no entanto, através dessas rijas camadas, 
Ou rompendo por entre as juntas da armadura, 
Escorrem muita vez gotas ensanguentadas 
Que o coração verteu dalguma chaga obscura... 

António Feijó, in 'Sol de Inverno'

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